quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Mamãe convidada: Maria Fernanda Delmas


A difícil arte de educar

Tem gente que contabiliza o tempo que perde diariamente nos engarrafamentos. Há quem se recuse a dormir em dólar quando viaja para o exterior, e até os que nem em real gostam de descansar muito, pois consideram o ato de dormir muitas horas, por si só, uma perda de tempo. Ultimamente, ando lamentando o número de horas perdidas dando broncas e deixando de castigo.

Taí, não imaginei que fosse achar uma coisa que desse mais culpa em uma mãe do que trabalhar por muitas horas. Mas tem: é ver os momentos tão caros e às vezes tão raros em casa escorrerem pelas mãos em forma de brigas. Você chega querendo brincar e conversar, mas acaba numa sessão de terapia.

Incrível como uma criança na maioria das vezes doce e carinhosa pode ser o oposto quando cisma de encrencar. Fase de contestação, de autoafirmação, de testar os pais, não importa como os psicólogos chamem, mas o fato é que, dos três para os quatro anos, isso veio com força.

E tome dias em que não quer tomar o café da manhã sugerido, não quer usar o uniforme que foi separado, não quer escovar os dentes, não quer se apressar para chegar a tempo da atividade na escola, não quer dividir os brinquedos com outras crianças, não quer ajudar a guardar os brinquedos, não quer tomar banho, não quer cumprimentar as pessoas no elevador, não quer comer o que tem para o jantar. Sim, há dias em que tudo que pedimos é ouvir apenas um pacífico “sim”.

Outro dia a bronca ficou a cargo do pai. Botou de castigo a filha, que acabou adormecendo aos prantos, e, na manhã seguinte, ele saiu de casa antes que ela acordasse. Passou o dia aflito, torcendo para que, ao voltar, não a encontrasse de mal. Não estava. Agia com a doçura de grande parte das vezes.

Noutro dia a bronca foi minha. Foi uma gota d’água, e confesso que era, inclusive, o sermão certo para o motivo errado, mas ela se sentou e escutou. Enquanto eu falava olhando para o alto, num papo-terapia seriíssimo, notei que ela tinha enfiado o rosto nas mãos e chorava em silêncio, sem revidar. Bem, taí algo que dói mais que as duas outras coisas citadas lá em cima: ver uma criança genuinamente magoada.

Dormi abraçada a ela e me fiei no esquecimento (dela). No dia seguinte, acordou feliz. Cruzamos no elevador com uns vizinhos e seus filhos e ela sorriu para todos. Ao sair, me disse: “Viu como eu falei bonita com eles?”

Esquecera coisa nenhuma. Fiquei em pânico de ter atropelado as etapas e feito uma criança amadurecer na marra. Dano irreversível seria esse... Mais tarde, em casa, ela emprestou vários brinquedos para as primas, até que se enfezou um pouco com tanto altruísmo. Foi repreendida, é claro. Mas, no fundo, respirei aliviada. A vida voltava a seu curso. Ela levando broncas merecidas, resmungando e, lentamente, aprendendo a ser melhor (e eu também). Educar é mesmo um longo processo de transformação. Mútuo.


Maria Fernanda Delmas é jornalista e mãe da Bia, e este texto foi originalmente publicado no O Globo Blogs.

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